Review – Lies of P

Quando vi a revelação de Lies of P, fiquei bastante intrigado com a ideia de ver o mundo do Pinóquio transformado num Soulslike, especialmente um bastante parecido com Bloodborne que há muito merecia um remaster nas consolas atuais e PC.

No entanto, a tendência dos últimos anos de jogos deste género que não sejam feitos pela From Software não tem sido muito famosa, com vários desses títulos a serem OK no melhor dos casos, sempre com ideias interessantes mas execução menos conseguida e, principalmente, a não conseguirem ter a essência do que torna os jogos da From Software tão viciantes e únicos.

Para minha surpresa, Lies of P não só foi muito melhor que todas as minhas expectativas, o jogo até introduz algumas ideias que gostaria de ver implementadas num futuro Souls da From Software.

A invasão das marionetas

Lies of P coloca-nos no corpo de Pinóquio, uma marioneta que acorda na estação da cidade de Krat, baseada no período da Belle Époque (fim do Séc. XIX/inicio do Séc.XX), que se econtra no completo caos após a maioria das marionetas existentes na cidade terem entrado num frenesim que causou a destruição da cidade e dos seus habitantes humanos.

Pinóquio tem o objetivo de se tornar Humano, até porque como marioneta possui uma habilidade exclusiva dos humanos que as marionetas não conseguem ter: a capacidade de mentir.

Para tal, precisa de se encontrar com o seu criador Geppetto mas pelo caminho terá de enfrentar hostes de marionetas com sede de sangue e humanos caçadores de marionetas conhecidos por Stalkers.

Krat era uma cidade pobre, mas a chegada de certos Alquimistas trouxe-lhe um período de riqueza e prosperidade que a tornaram numa cidade incrivelmente diversificada e isso nota-se nos locais que visitamos.

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Ao sairmos da estação central deparamo-nos imediatamente com dois opostos: a cidade destruída e eventualmente o nosso hub central, o luxuoso hotel de Krat que conseguiu manter-se protegido da devastação que tomou o resto da cidade.

É neste hotel que vamos conhecer a maioria dos NPCs que servirão de vendedores e nos permitirão tornar Pinóquio mais poderoso para enfrentar os perigos que são cada vez maiores.

Eventualmente vamos visitar zonas como bairros de burgueses abastados, operas, castelos e favelas decadentes. Existe imenso storytelling apenas nos cenários, especialmente nas cidades onde podemos ver alguns cartazes publicitários que por vezes até incluem inimigos ou NPCs que vamos encontrar mais à frente.

Explorar Krat também foi algo bastante satisfatório. Apesar de ser relativamente linear, existem vários caminhos secretos e atalhos que vos permitem evitar inimigos mais chatos enquanto avançam nas várias zonas da cidade.

Algo que também gostei é o facto de essencialmente todos os bosses principais estarem em locais bem identificados e geralmente existir um caminho direto do Stargazer (o equivalente as Bonfires de Dark Souls) até ao boss que podem fazer sem ter de lutar e gastar os vossos preciosos itens de cura.

No geral, Lies of P não é o Soulslike mais difícil que já joguei e muito se deve a esta decisão no design da exploração dos mapas.

Isto não significa que o jogo seja fácil. A melhor comparação que posso fazer é com o remake de Demon’s Souls. As lutas dos bosses, tirando uma ou outra exceção, não são demasiado difíceis, os bosses também não têm muitos ataques e se tiverem duas fases, geralmente a 1ª fase é relativamente moderada em termos de dificuldade e número de ataques.

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Ainda assim não são nenhuns sacos de pancada e os vossos erros são facilmente punidos resultando na utilização de um item de cura.

A verdadeira dificuldade, tal como em Demon’s Souls está no caminho entre os Stargazers e até desbloquearem os atalhos. Alguns inimigos podem ser bastante brutais e atacam-vos de ângulos estranhos. Até decorarem o seu posicionamento, existem muitas alturas em que vão estar constantemente em alerta porque um destes ataques surpresa é capaz de vos desfazer mais de metade da barra de saúde.

A variedade de inimigos não é nada por aí além mas também não é má. Existem dois tipos principais: marionetes e as carcaças, que são essencialmente zombies infetados por uma praga que se abateu sobre Krat.

Além dos tipos mais básicos que utilizam armas de curto ou longo alcance, por vezes encontramos também alguns inimigos mais poderosos lá no meio que nos obrigam a desviar a atenção dos mais “básicos”, o que nos pode custar caro quando vem um ataque do ângulo cego.

Concluindo, no geral a dificuldade não é grande pois rapidamente conseguem decorar o posicionamento dos inimigos e os seus ataques, mas como a distância entre Stargazers ou atalhos é relativamente grande, isto transforma-se num “jogo de atrito” pois têm de gerir bem os inimigos com que querem lutar para não queimarem os vossos itens de cura rapidamente.

No entanto, existe uma mecânica que achei bastante interessante e ajuda imenso a aliviar um pouco esta dificuldade que é o facto de que quando esgotam os vossos itens de cura, é possível recuperar uma carga ao atacar e derrotar inimigos.

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Isto é fenomenal especialmente em lutas de bosses quando já não se podem curar e adoptam uma estratégia mais de toca e foge para recuperar aos poucos esta carga. Isto acontece sempre que esgotam a última carga do item de cura portanto podem fazer uso desta mecânica várias vezes na mesma luta, apesar de não ser muito recomendado queimarem os itens no início da luta.

Para terminar a campanha, demorei cerca de 20 horas, mas ainda existem outros finais e missões secundárias para completar, portanto é um jogo que podem extender por bastante mais tempo, tal como costuma acontecer neste género.

Combate e progressão interessantes

O combate em Lies of P está mais próximo de Bloodborne que propriamente de Dark Souls. É um jogo que quer que sejam mais agressivos do que propriamente estejam na expetativa, até porque existem janelas relativamente grandes para atacar entre ataques inimigos e a vossa defesa depende completamente de conseguirem defender os ataques no momento certo, ou esquiva.

Ao defenderem um ataque, uma parte do dano que recebem fica transformado num segmento cinzento da barra de vida, que pode ser recuperado ao acertarem novamente nos inimigos, mas perdido caso sofram mais dano.

Além disso, o mesmo acontece com os inimigos, ao lhes causarem dano, uma parte desse dano fica convertido nessa vida temporária e caso sejam demasiado passivos, o boss vai recuperar essa vida rapidamente tornando a luta mais longa e desfavorável para vocês.

A melhor opção para defesa é a esquiva, que sinceramente não é do melhor que já vi no género, especialmente quando o vosso peso é maior e ficam mais lentos, este movimento não cobre a distância certa para fugir de forma consistente aos ataques nem tem frames de invencibilidade suficientes para compensar a pouca distância.

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Quando começam o jogo podem escolher essencialmente 3 classes: Balance, Dexterity e Strength.

Balance é a classe que usa espadas e tem uma distribuição de pontos de personagem mais uniforme. Isto permite-vos explorar um pouco as águas e ver qual o estilo que se adequa melhor a vocês e depois começar a distribuir pontos para esse estilo. O problema é que a distribuição uniforme não permite um bom “min-maxing” pois vai colocar pontos em stats que não interessam para o vosso estilo escolhido.

Dexterity e Strength são os opostos um do outro, Dexterity é mais focado em mobilidade e uso de adagas para táticas de toca e foge, bastante útil para o sistema de carga do item de cura. Também permite uma esquiva mais rápida mas se levam um estalo ficam logo perto de morrer.

Strength permite usar armas mais pesadas e equipamentos que aumentam a vossa durabilidade mas para não serem destruídos têm de ter bons reflexos e tornarem-se mestres em perfect parry que permite defender sem receber vida cinzenta se o fizerem no tempo certo.

Assumindo que já jogaram outros Soulslike o meu conselho é: usem o mesmo estilo que costumam usar nesses jogos. Se gostam de focar mais em mobilidade e rapidez de ataque à custa de dano causado e sofrido, escolham Dexterity, se gostam da típica tática do Unga Bunga na qual usam uma arma grandalhona para bater nos bosses e têm bons reflexos para defender os ataques então vão para Strength.

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O problema com o Balance é que não só coloca mais pontos do que querem no stat das armas que não vão usar, mas também coloca ali um pontinho a mais no stat de Advance que podia ser utilizado noutro lado mais útil.

Este stat do Advance é usado principalmente para melhorar o vosso gadget secundário, o Legion Arm. Este braço pode ser modificado para ter funcionalidades diferentes como ser um escudo, uma arma de arpão com corda, uma arma que dispara fogo, minas ou dardos explosivos.

Pensem nisto como se fosse o sistema de Mana do jogo. Existe um pequeno pormenor que faz com que não seja um sistema que vão utilizar muito exceto em determinadas situações, que é o facto de que quando começam a desbloquear melhorias e versões úteis deste gadget, provavelmente já avançaram no jogo de tal forma que a vossa build já está definida e não vão alocar já pontos em advance.

A única classe que talvez pudesse também ainda fazer uso disto seria a de Strength pois o stat de Capacity que vos permite carregar mais peso, algo importante para aumentar a vossa mobilidade com armas maiores, também aumenta a capacidade do Legion, a munição que usam no vosso Legion Arm.

Para piorar, as versões “stock” destes braços não é muito útil na fase mais avançada do jogo e só recebem os materiais para fazer estes upgrades ao derrotar certos inimigos já na segunda metade do jogo. Para piorar ainda mais, os upgrades do personagem que permitem recuperar o Legion de forma passiva ou com ações de combate está bloqueado a um dos últimos níveis da árvore de habilidades que veremos mais à frente.

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Ao derrotarem inimigos recebem algo chamado Ergo. Na história do jogo, é o que permite conferir a automação às marionetas como uma espécie de combustível especial. O Ergo permite que subam de nível num NPC que encontram no Hotel Krat, algo que não gostei muito pois obriga-vos a viagens para à frente e para trás, especialmente porque até desbloquearem esse NPC podem subir de nível no Stargazer.

No entanto, existem outras formas de tornar Pinóquio mais poderoso. Para começar, existe um sistema espetacular que permite misturar armas umas com as outras. Cada arma que não seja arma de boss pode ser separada entre lâmina e punho. Ambas possuem ataques especiais chamados Fable Arts cuja barra pode ser preenchida com ataques, defesas ou itens.

Ao misturar armas podem criar combinações interessantes como espadas com maior alcance se lhes colocarem o punho duma lança, machados de curto alcance capazes de atacar mais rápido, etc. Além disso, podem misturar as Fable Arts como por exemplo, misturar uma lâmina que cause dano de fogo, com um punho que tenha uma Fable Art de utilidade que permite aumentar o dano que causam com ataques de fogo.

Depois, ao derrotar certos inimigos mais fortes recebem um item chamado Quartz. Este item permite desbloquear os vossos P-Organs, uma espécie de árvore de habilidade. Cada nó dessa árvore oferece-vos uma habilidade ativa ou passiva após os desbloquearem fazendo uso deste Quartz para adquirirem bónus em cada um.

Estes bónus incluem algumas habilidades excelentes como fazer esquiva a partir do chão, algo que mudou completamente o combate para melhor na minha opinião, visto que era frequente ser atirado ao chão por ataques de inimigos maiores e o personagem demorava imenso a levantar-se.

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Também é possível obter habilidades passivas como não perder tanto Ergo ao morrer, recuperar mais rapidamente a carga do item de cura, causar mais dano de Stagger nos inimigos, entre muitos outros.

Por fim, existem as moedas douradas que desbloqueiam na segunda metade do jogo e permitem ser trocadas por itens ou para fazer Respec ao vosso personagem, caso queiram refazer a vossa build, os vossos Legion Arms ou os P-Organs.

No geral, achei a progressão de Lies of P bastante boa, a ideia de misturar as armas e os P-Organs são uma excelente adição ao conhecido sistema de pontos e upgrade de armas que aparece sempre nestes jogos. E o mais importante é que esta progressão sente-se na performance do vosso personagem.

Gráficos, performance e som

Graficamente, Lies of P é excelente. O jogo usa Unreal Engine 4 mas mesmo não sendo a última versão (5) tem um aspeto excelente e incrivelmente detalhado, com iluminação soberba e texturas de alta definição.

A nível de performance, no meu PC com o i9 13900KF, 32GB de RAM e uma RTX 4080, a 1440p com DLSS, o jogo praticamente não saía das 150-165 fps (coloquei 165 como limite) com tudo em Ultra. Sim é uma máquina bastante poderosa mas o jogo pareceu bastante estável, sem crashes nem stutters, por isso acredito que corra bastante bem na maioria dos PCs, até porque o Unreal Engine 4 não é um motor propriamente novo.

A nível de som, a banda sonora reflete a época em que o jogo se baseia e até gostei bastante, o voice acting é bom mas nada de extraordinário. Algo que não gostei foi a falta de pistas auditivas nos ataques de certos inimigos e mesmo os nossos ataques parece que lhes falta aquele som do impacto que é tão satisfatório nos jogos da From Software.

Conclusões

Lies of P é um jogo bastante interessante e traz para a mesa algumas ideias que gostaria de ver implementadas num futuro Souls da Fromsoft, especialmente a parte das armas e progressão.

Graficamente é excelente e possui um mundo bem conseguido que permite uma exploração interessante mesmo sendo bastante linear.

Além disso, o jogo está incluído no Gamepass da Xbox, o que é imediatamente um excelente valor e se têm subscrição, vale a pena experimentar o jogo.

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