Em 2008 a EA através do seu estúdio Visceral Games lançava aquele que tenho quase a certeza era o seu primeiro jogo de Survival Horror, Dead Space.
Com uma clara inspiração em Resident Evil 4, Dead Space apresentava uma jogabilidade over the shoulder mas tinha elementos suficientes para se destacar dentro deste género, principalmente devido ao combate mais moderno e sistema de HUD altamente imersivo.
Ao contrário de Resident Evil 4 onde não podíamos mover-nos enquanto disparamos e parte da tensão vem de observar várias hordas de inimigos a aproximarem-se enquanto gastamos o nosso stock de munição, Dead Space foca-se mais em encontros imediatos, com imensos jump scares e menos inimigos, mas que requerem maior precisão, uma vez que temos de remover os seus membros para os atrasar ou impedir que nos ataquem.
O último Dead Space foi o terceiro jogo, lançado em 2013 e alvo de imensas críticas devido ao facto de ser mais focado em ação do que no horror, algo que estava muito na moda visto que o mesmo aconteceu com Resident Evil, culminando em Resident Evil 6 que causou um hiato na série durante cerca de 5 anos.
O género Survival Horror melhorou imenso nos últimos anos com a série Amnesia a iniciar a revolução, ou pelo menos popularizá-la e mais tarde com jogos como Outlast ou Evil Within. Resident Evil teve um renascimento incrível com Resident Evil 7, 8 e o remake do 2º jogo. Agora Dead Space é também alvo de um remake e posso dizer que é um dos melhores já feitos.
A Ishimura como nunca a viram
Dead Space coloca-nos no papel de Isaac Clarke, um engenheiro que é levado para investigar uma avaria na nave Ishimura, após uma perda de comunicações.
Ao chegar, imediatamente somos confrontados com o facto de que algo terrivelmente mau aconteceu com a nave, a sua tripulação e toda a infraestrutura que os suporta. Algo que sempre gostei nos Dead Space, é que o jogo não está com rodeios. Ao fim de uns 5 minutos vemos metade da nossa equipa ser despedaçada pelos terríveis necromorphs que se apoderaram da nave.
Tendo jogado Metroid Dread recentemente, não pude deixar de reparar que existe um certo paralelismo entre os objetivos nos dois jogos. Em Metroid, cada missão é obter um certo poder de Samus que vai permitir avançar na história. Em Dead Space cada missão é reparar uma parte da Ishimura, permitindo chegar a novas partes da nave e investigar o que aconteceu.
Mas este tipo de storytelling acaba por fazer imenso sentido quando vemos que Isaac é simplesmente um engenheiro e o seu trabalho é reparar a nave. O outro elemento interessante disto, é o facto de as armas que usamos estarem mais para instrumentos de trabalho do que propriamente para arsenal de combate.
O plasma cutter é usado para cortar pedras e extrair minerais, ou até para operações cirúrgicas (como no início do 2º jogo), o Ripper é literalmente uma pseudo-rebarbadora a esteróides, a Line Gun é uma versão maior do plasma cutter, o contact beam é usado para desfazer pedras, o lança chamas é usado para derreter gelo que venha agarrado aos minerais extraídos.
Algo que foi bastante melhorado neste remake, foram as motivações para Isaac querer fugir da Ishimura. No primeiro, o personagem era basicamente silencioso e limitava-se a fazer o que lhe diziam. Neste jogo, temos muito mais interação com os outros personagens e vemos de forma mais clara o que o levou a viajar até à nave e a forma como o culto do Marker se interliga com o resto da história, algo que originalmente só foi mais explorado no 2º jogo.
Sendo a Ishimura uma nave capaz de extrair bocados inteiros de planetas, a sua escala é absolutamente imensa, mas no jogo original nunca tivemos bem essa noção, principalmente porque a tecnologia não permitia tanto detalhe e cada nível era mais contido e claustrofóbico, sendo a ligação entre eles feita pelo sistema de comboios.
No remake, temos muito mais liberdade para explorar a nave. Existem mais salas que podemos aceder que contêm recursos, audio logs ou mensagens de texto para lermos, ainda existem corredores apertados mas também zonas incrivelmente massivas e até alguns exteriores da nave, que nos fazem sentir autênticas formigas e permitem ter um vislumbre da sua escala, como nunca tivemos antes.
Arrancar as asas destas borboletas
O combate de Dead Space sempre foi um dos seus principais elementos e o seu maior “selling point”.
Em vez de descarregar tiros nos inimigos ou ir diretamente à cabeça, temos de metódicamente cortar os seus membros de forma a derrotá-los. Se cortarmos as pernas vamos atrasar o seu avanço, visto que apenas podem rastejar, ao cortar os braços, retiramos a principal fonte de nos causar danos. Ao cortar membros suficientes, acabamos por matá-los.
Para não tornar este processo monótono, eventualmente o jogo começa a misturar os tipos de inimigos, com pontos fracos diferentes, uns com alta mobilidade, outros mais pequenos e difíceis de ver.
Outra mecânica que introduziram no remake foi o Diretor de Intensidade. Esta mecânica permite alterar de forma dinâmica como os encontros vão ocorrer, de forma a manter-vos sempre alerta e tensos.
Devido ao facto de poderem explorar as várias zonas da Ishimura à vontade, sempre que regressam às zonas que já visitaram, sem este sistema seria algo tranquilo visto que já tinham eliminado os inimigos.
Agora, ao visitar essas zonas podem ser confrontados com inimigos que aparecem do nada em zonas onde antes não tinham aparecido, uma sala antes iluminada pode de repente estar cheia de gás venenoso ou fumo ou as luzes apagadas.
O mais interessante, é que nem sempre este sistema vos atira inimigos para cima. Muitas vezes, são so sons, portas a abrir, ventoinhas das paredes que se partem, o som de inimigos a rastejar nas condutas. Para mim o melhor, é quando usam o comboio para ir de uma zona para outra e a meio são interrompidos com uma travagem súbita, as luzes apagam e as portas abrem ligeiramente. Durante uns segundos não existe nada sem ser o que veem no círculo que a lanterna ilumina e os gritos e sons rastejantes que vêm do exterior. O comboio liga e resumem a vossa viagem, mas os vossos sensores estão todos a mil e prontos para atacar ao primeiro movimento.
Este sistema é absolutamente brilhante e algo que deve ser obrigatório em todos os jogos de terror futuros. Aliás, até para outros jogos com exploração seria uma boa ideia um motor capaz de alterar os encontros de forma dinâmica como acontece neste jogo.
Um remake fiel mas expandido
Pessoalmente, não jogava o primeiro Dead Space à muitos anos, mas ainda existiam certas partes que me lembrava vagamente.
Não consigo garantir que Dead Space Remake seja uma réplica 1:1 do jogo original, mas existem imensas zonas que ativaram aqui as memórias do original. Algumas partes, no entanto, foram alteradas para melhor. Por exemplo, o nível do turret no qual temos de destruir vários meteoritos foi substituído por uma secção inteira no exterior, no qual temos de ativar os turrets e calibrá-los de forma a detetar e destruir os metoritos.
As secções de gravidade zero foram bastante melhoradas, sendo agora possível “voar” livremente em vez de carregar num botão que atira Isaac para outro lado ao estilo do super homem.
Estas secções de gravidade zero são bastante tensas mesmo sendo tão abertas, pois normalmente existem inimigos escondidos que nos atacam e nos forçam a andar rapidamente à procura deles, o que leva a imensa desorientação. Felizmente, podemos segurar no botão de disparar para voltar à orientação correta.
O jogo tem ainda algumas missões secundárias que permitem expandir um pouco a lore sobre o Marker e a sua religião, assim como uma que permite desbloquear o nível de segurança máximo, que nos deixa aceder a zonas com vários upgrades para as armas, mais lore, entre outros.
Os puzzles, especialmente aqueles que requerem ativar painéis de energia estão mais interessantes. Em certos locais, estes paineis apenas possuem energia para alimentar partes limitadas da zona.
Um exemplo que posso dar é um que liga elevadores, luzes e o sistema de suporte de vida. Apenas podem ter dois destes ativados e precisam dos elevadores para progredir no nível. Desativar o suporte de vida coloca-vos a oxigénio do fato, que é limitado e vos obriga a ter de terminar essa secção rapidamente antes que fiquem sem ar. Apagar as luzes faz com que uma horda de inimigos apareça, o que não é ideal se a munição for escassa.
Este tipo de decisões torna cada puzzle numa incógnita, visto que não conseguem adivinhar o que vai acontecer nessas situações, especialmente com o diretor de intensidade a trabalhar debaixo do capô.
O jogo demora cerca de 9-10 horas, mais nas dificuldades maiores. Existe um excelente argumento para repetir o jogo, pois no New Game+ existem novos segredos para descobrir que levam a um final alternativo. Além disso, os encontros dinâmicos significam que dificilmente conseguem prever todos os posicionamentos dos inimigos, como acontecia no original.
Gráficos, Performance e som
Graficamente, Dead Space é incrível. Não é um Calisto Protocol, mas poucos jogos o são atualmente. Mas por outro lado, a sua performance é muito boa.
Joguei com tudo ao máximo, Ray Traced Ambient Occlusion e DLSS em Balanced na GTX 2080Ti, i7 9700K e 32GB de RAM e consegui manter sempre acima das 80 FPS, sendo que a única exceção foi na cinemática em que aparece o boss final que causou uma queda no para os 50’s no framerate, voltando imediatamente ao normal. Existe um stutter ocasional, mas nada que estrague a vossa experiência e nunca me aconteceu nos combates, sempre durante a exploração.
O design de som é absolutamente brilhante. Além do diretor de intensidade vos obrigar a manter em alerta constante, tudo isto é elevado devido aos sons que enchem os cenários. Desde sons de raspar nas condutas, coisas a chiar no fundo, gritos ao longe, até o som de gravar o jogo parece um inimigo a aproximar-se, foram imensas as vezes que me vi a apontar a arma a uma parede porque ouvi algo vindo daquela direção.
Não existem muitas músicas no jogo, mas a sua ausência faz com que cada som eleve ainda mais a experiência, especialmente quando estão num corredor apertado e apenas conseguem ver o que a vossa lanterna ilumina.
Conclusões
Dead Space é um remake fenomenal ao nível do que vimos, por exemplo, com Final Fantasy VII. Além de refazer de forma fiel o jogo original, expandiu e melhorou imensos sistemas que não estavam tão bem conseguidos no jogo de 2008.
Se jogaram o jogo original recentemente, talvez não vos interesse imenso pagar o preço inteiro pelo jogo, visto que apesar do novo jogo ser muito mais moderno, o original não envelheceu nada mal. Seria como jogar o The Last of Us recentemente e adquirir o remaster da PS5.
No entanto, se nunca experimentaram um Dead Space, ou mesmo se nunca foram fãs de survival horror, este remake é um excelente ponto de entrada no género e na série.
Agora vou jogar o segundo jogo porque quase de certeza que vem aí um remake desse.