A saga God of War espalhou-se ao longo de duas gerações de consolas, com uma trilogia fantástica, dois jogos surpreendentemente bem conseguidos para a PSP e Ascension, uma prequela que não foi tão bem recebida. Após tantos jogos com jogabilidades semelhantes, Ascension foi o título que mostrou o desgaste inevitável da fórmula de God of War.
Com a chegada da PS4, eram muitos os pedidos de um novo jogo da saga que sempre elevou os patamares do que se podia fazer nas consolas da Sony, especialmente a nível técnico. Com a nova geração, especialmente com o que foi possível atingir em jogos como The Order 1886, Horizon e Uncharted 4, os fãs de God of War queriam um novo título capaz de utilizar estas novas tecnologias.
Com apresentação do novo jogo, a maioria ficou a salivar com a qualidade gráfica que era apresentada pelo menos, até mostrarem jogabilidade.
O novo God of War não se parecia nada com o que os fãs estavam habituados, de fora ficou a câmara fixa e as plataformas, passando o jogo a focar-se numa perspetiva mais próxima e colada ao chão, com um combate também mais adequado a 1 contra 1, ao contrário dos anteriores que envolviam geralmente atacar vários inimigos ao mesmo tempo com as famosas Blades of Chaos.
Foram muitos os que ficaram desagradados com esta mudança, diziam que estava a seguir a moda dos jogos imitadores de Dark Souls (nunca mais encontram um nome para esse género) e não tinha nada a ver com o que tornou God of War famoso.
God of War para a PS4 foi alvo de muitas mudanças
Pessoalmente, gostei muito da mudança, acho que era algo que a série necessitava, se bem que um pouco drástica pelo que, mesmo gostando, as reticências estavam presentes na mesma.
Foi então que experimentei o jogo num evento organizado pela Sony. Como tinha dito, as primeiras impressões foram muito positivas pelo menos no que toca a combate e qualidade gráfica, mas com menos de duas horas de jogo, foi difícil entender como seria a longo prazo a relação entre Kratos e o seu filho Atreus.
Agora com pouco mais de 25 horas em cima do jogo final posso dizer, com toda a certeza: God of War é um dos melhores jogos que saíram na PS4.
Uma viagem de união e redenção
A premissa de God of War é bastante simples. Kratos abandona a Grécia e forma uma nova família nos longínquos países nórdicos, numa tentativa de reencontrar paz e fugir ao seu passado sangrento. Após alguns anos, a sua nova mulher acaba por falecer e o seu último desejo é que Kratos e filho de ambos, Atreus, carreguem as suas cinzas até ao pico mais alto dos reinos nórdicos.
No entanto, esta demanda prevê-se extremamente difícil, uma vez que Atreus não sabe do passado do seu pai e isso leva a que, inconscientemente, reprima os seus poderes divinos que herdou de Kratos.
Por seu lado, Kratos vê-se agora sozinho com o seu filho, que durante tantos anos passou o tempo com a mãe, levando a que a relação de ambos seja bastante fria. Para piorar a situação, os deuses nórdicos sabendo do que se passou com os deuses do Olimpo, decidem tomar precauções e atacar Kratos para evitar um novo massacre, fazendo com que o antigo deus da guerra não se sinta mais seguro no seu lar, tendo de permitir que Atreus o acompanhe na sua nova aventura.
Kratos embarca numa viagem épica com o seu filho Atreus
Esta viagem vai levar pai e filho a vários reinos conhecidos da mitologia nórdica como Midgard, Alfheim, Helheim entre outros, na busca das ferramentas necessárias para subir uma montanha, algo que é titanicamente difícil na série God of War, onde tarefas que parecem fáceis como abrir uma porta ou subir um elevador se tornam num esforço mental para o jogador e um enorme esforço físico para Kratos. É bom saber que mantiveram esse estilo neste título.
Ainda assim, o prato principal vem na forma da relação de Kratos e Atreus e como esta evolui ao longo do jogo. Kratos agora mais sábio mas igualmente forte, tenta a todo o custo reprimir o seu passado e os seus instintos de destruição, ao mesmo tempo que tenta resolver o seu conflito interno de ensinar de forma fria Atreus a defender-se, sem que descubra os seus poderes divinos, e mostrar afeto paternal para com o seu filho.
São várias as cenas nas quais vemos Kratos a tentar confortar Atreus em situações mais dolorosas, apenas para parar no último instante.
O personagem de Atreus é uma lufada de ar fresco na série, uma vez que representa o completo oposto de Kratos. Enquanto que Kratos é frio, violento e não hesita em partir um pescoço ou dois, Atreus tem uma visão mais infantil e colorida do mundo, sendo que apesar da situação triste que os levou a embarcar nesta aventura, o rapaz prefere ver essa situação exatamente dessa forma, uma aventura que o vai levar a novos locais e conhecer novas pessoas que não podia enquanto estava limitado ao redor da sua casa.
Inevitavelmente Atreus acaba por descobrir as suas origens, o que muda completamente a forma como a sua personalidade choca contra a de Kratos. Atreus começa a tornar-se arrogante e a dizer que pode fazer o que quer por ser um deus, que os problemas dos mortais não têm nada a ver com eles, enquanto Kratos tenta colocar algum bom senso na sua cabeça.
Esta mudança de personalidade tem influência direta no jogo, quando Atreus começa a tomar a iniciativa nos combates, atacando inimigos mais poderosos que poderíamos, supostamente, evitar. As personalidades acabam, no fundo, por cruzar-se com Atreus a ser cada vez mais imprudente, enquanto Kratos se relaciona mais com o filho e tenta evitar que acabe por se tornar no que ele já foi.
A relação entre ambos é desenvolvida de forma muito bem feita
Existem dois finais, um que engana passando os créditos, mas o verdadeiro final ocorre quando regressa a casa. Vi várias teorias sobre quem seria Atreus enquanto figura da mitologia nórdica e gostei bastante da revelação, uma vez que explica o verdadeiro final e um pequeno painel que aparece numa das cenas finais, que aconselho a tomarem muita atenção.
No geral, fiquei extremamente agradado com a história de God of War, quer pelos personagens incrivelmente carismáticos que aparecem ao longo do jogo, quer pela forma como a relação de Kratos e Atreus evolui de forma orgânica ao longo do jogo e quer pelo facto de existir um “pacing” mais adequado que permite essa evolução, assim como ouvir algumas histórias sobre a mitologia nórdica.
Mais próximo da ação
Uma das principais críticas que foram feitas a God of War, foi a mudança de perspetiva, que acabou com a câmara fixa e introduziu uma visão quase “over the shoulder” com câmara livre. Após ter experimentado o jogo, acabei por gostar bastante deste novo sistema, uma vez que introduziu uma maior profundidade no combate, visto que o machado permitia ações que antes não eram possíveis e o combate corpo a corpo era bastante satisfatório.
Apesar de concordar que o machado tornou o combate mais lento e pessoal, visto que já não é possível massacrar grupos de 6,7 ou 8 inimigos como acontecia nos anteriores. Ainda assim, existem algumas habilidades que oferecem ataques em área e, uma arma que se obtém mais à frente, cuja surpresa não vou estragar (para os fãs deve ser óbvio) e que acelera bastante o combate e aumenta ainda mais a profundidade.
Apesar da mudança de câmara, os elementos clássicos de God of War estão presentes
No que toca ao combate, os elementos que sempre marcaram presença nos anteriores como combos devastadores, QTEs altamente cinemáticos, execuções brutais e lutas de bosses épicas estão de volta, assim como aqueles momentos em câmara lenta que ocorrem no meio dos ataques mais poderosos. Também está de volta o modo “Spartan Rage” agora com ataques novos e incrivelmente poderosos, que além de causar dano massivo, ainda recupera a vossa saúde.
Apesar de terem existido algumas comparações com Dark Souls, é verdade que existe uma mecânica de desviar usando uma cambalhota, mas fica-se por aí. O combate em si está mais parecido com o de Assassin’s Creed Origins, por exemplo, mas muito superior, mais preciso e menos trapalhão.
Atreus também tem um papel muito importante no combate. Inicialmente, serve apenas de distração ao atirar setas contra os inimigos, um pouco como se vê com Ellie em The Last of us. No entanto, ao desbloquear novas habilidades, torna-se extremamente útil, uma vez que podemos interromper ataques inimigos, causar dano em área ou simplesmente deixar os inimigos atordoados, ficando à mercê de um ataque do jogador.
A mudança de perspetiva também permite observar ainda melhor os cenários absolutamente fantásticos, especialmente nas partes em que navegamos na canoa, que permitem abrandar um pouco a ação e descobrir algumas histórias acerca do mundo do jogo.
Sistema de progressão inédito na série
O sistema de progressão na série God of War sempre foi bastante direto: matam inimigos para obter esferas, com essas esferas sobem os níveis das armas que, por sua vez, desbloqueiam novos ataques. Ainda têm itens que encontram em baús e permitem aumentar permanentemente a vossa barra de vida ou de raiva.
O sistema de baús manteve-se inalterado. No entanto, agora obtêm experiência nos combates, ou por cumprir objetivos, assim como dinheiro chamado Hacksilver. A experiência permite desbloquear novos ataques e aumentar o nível de certos itens. Estes novos ataques são desbloqueados quando aumentam os níveis das vossas armas, com um determinado item que obtêm ao longo do jogo.
O dinheiro permite comprar itens de utilidade, armaduras e upgrades para Atreus assim como, juntamente com outros materiais, construir armaduras e talismãs para Kratos.
God of War apresenta um sistema de progressão ao estilo RPG.
Estas armaduras possuem diversas raridades, com um esquema de cores já habitual de verde, azul, roxo e dourado, sendo que as armaduras de alto nível oferecem ainda habilidades passivas. Ainda podem equipar uma espécie de runas nas armas e armaduras, assim como diferentes punhos, que oferecem também habilidades passivas ou aumentam os vossos stats.
Falando em stats, agora existem vários como Força, defesa, rúnicos, vitalidade, sorte e cooldown. Estes stats oferecem bónus como aumento do dano que causam, redução do dano que sofrem, aumento da saúde máxima, mais experiência e dinheiro ao matarem inimigos e redução do tempo de espera das habilidades.
Ao terem um certo valor de cada um destes stats, vão poder desbloquear uma bonificação nos ataques que podem usar com cada arma. Por exemplo, um ataque pode precisar de 100 de vitalidade para desbloquear o bónus, que permite reduzir a probabilidade desse ataque ser interrompido por dano inimigo.
O nível de Kratos depende também do equipamento, um pouco como vemos em jogos como Destiny ou The Division. Cada peça de armadura possui um nível, que pode subir ao receber um upgrade, assim como equipando runas de igualmente alto nível.
Este nível fará com que possam derrotar inimigos poderosos, especialmente os bosses opcionais que, muito provavelmente, só os conseguirão derrotar com esse tipo de equipamento.
Existe muito conteúdo após terminarem a história
A progressão dos inimigos também é muito interessante. Apesar de ter a ideia que existe menos variedade, os inimigos foram divididos em arquétipos, sendo que cada um vai tendo variações de acordo com o elemento e os poderes que utiliza. Atreus também anota no seu livro as fraquezas e os ataques de cada inimigo, há medida que vão lutando contra eles, mostrando a experiência que também ele vai adquirindo.
Apesar de poder significar alguma repetição nos combates, na realidade isso não se verifica, uma vez que a mistura de certos arquétipos no mesmo combate obriga-vos a mudarem de estratégia, especialmente quando têm de combater diversos elementos ao mesmo tempo. O único aspeto menos positivo acerca disto, é que reduz o número de execuções disponíveis no jogo.
O papel de Atreus na progressão nos níveis também é uma abordagem interessante. Nos jogos anteriores, Kratos geralmente fazia uso de certos itens para poder chegar a novas zonas que não podia previamente, o que levava a algum backtracking que se tornou característico da série. Agora, em vez de Kratos, é Atreus que recebe a maioria desses itens ou poderes, que muitas vezes requerem combinação com ataques de Kratos para desbloquear uma nova zona.
De volta estão também os puzzles com armadilhas característicos da série, que fazem uso também das várias habilidades que vão desbloqueando ao longo do jogo.
Ao terminarem a história, o vosso objetivo é obter as armaduras de alto nível e derrotarem os bosses opcionais. Estes materiais, são adquiridos ao cumprirem certos objetivos em reinos que não visitaram durante a campanha e podem ser desbloqueá-los encontrando as suas runas em baús. Este sistema é bastante mais substancial que o modo arena que apareceu em vários títulos anteriores e, aumenta bastante o número de horas de jogo, sem que pareça filler desnecessário.
Gráficos e Som
Graficamente, God of War é um autêntico colosso. Tinha experimentado o jogo na PS4 Pro no evento, mas a versão final joguei na minha PS4 normal. Na PS4 Pro conseguem obter a experiência definitiva a nível gráfico, caso joguem em modo de resolução ou maior estabilidade.
Na PS4 normal, existem ligeiras quedas de FPS que ocorrem em situações de maior stress gráfico, mas nada que deteriore a experiência completa. No entanto, graficamente continua a ser um jogo espetacular. Podem ainda reduzir ou remover o Motion Blur nas opções, algo que aconselho vivamente uma vez que o valor por definição é muito exagerado e pode causar enjoo.
Graficamente o mundo aberto de God of War é capaz de deixar qualquer um de queixo caído
A nível de som, a música é épica, ao estilo dos anteriores, apesar de sentir falta do tema do menu principal que sempre foi um dos meus favoritos. O trabalho vocal dos atores é muito bom, na versão original, não tanto em Português que parece um pouco forçado. Podem sempre colocar legendas na nossa língua se assim preferirem. Acho que com o uso de captura de movimentos, fica cada vez mais difícil ver uma dobragem credível e natural nos jogos atuais.
Conclusões
God of War é um reboot disfarçado de sequela, que consegue introduzir um novo mundo na série, jogabilidade diferente, mas igualmente fluida, brutal e cinemática, enquanto se mantém familiar às origens. Aviso desde já que o jogo é extremamente viciante, pelo que não se admirem de meter umas 7 ou 8 horas em cima dele como me aconteceu e não darem conta do tempo passar.
A escolha da mitologia nórdica foi, na minha opinião, a melhor entre as possíveis, visto ter sido pouco explorada em jogos mais mainstream. As notas de Atreus acerca dos vários contos serão capazes de vos agarrar e explorar mais a fundo este tema.
God of War é assim, um jogo divinal a todos os níveis: técnico, narrativa, jogabilidade, som e conteúdo. Os poucos pontos negativos que tem, são apenas gotas de água num oceano e, na minha opinião, conseguiu destronar Bloodborne como o melhor jogo exclusivo da PS4 até à data, quiçá um dos melhores da geração.
Vão comprar o novo God of War? Quais as vossas expectativas?